20/06/2010

Bola de Cristal

Um cara um dia me confessou que queria saber o que iria acontecer. Dizia estar cansado dos inúmeros imprevistos que o dobravam a cada esquina. Gostaria de seu futuro prever e por isso veio com essa ideia muito maluca: "Uma amiga dum amigo meu disse que o primo dela conhece um feiticeiro, topa ir comigo?"
"Me inclua fora dessa", respondi cético, não podia acredita em bolas de cristal e coisas do tipo, quanto mais me aventurar a ir em sua busca em um local ermo. De qualquer forma o tal mago da floresta realmente existia, e vendeu a meu amigo a tal bola capaz de mostrar o futuro. O mais absurdo dessa estória não é o fato de realmente existir um maluco no meio do nada vendendo pedaços de vidro que anunciam o porvir, pior que isso é que o artefato comprado pelo meu colega realmente funcionou, aliás, praticamente funcionou. Isso porque, por um lado, a bola de cristal realmente mostrava o futuro de forma precisa. Bastava uma olhadela na bola e o dia inteiro seria narrado detalhadamente. Meu amigo passou a saber exatamente o que iria acontecer, e é por isso que digo que o artefato praticamente funcionou. No início foi tudo festa, meu amigo me contava, eufórico, sobre o engarrafamento que deixara de pegar por olhar sua bola de cristal, sobre como era divertido ir ao estádio de futebol apenas nos dias de vitória, entre várias outras coisas, em suma passou a evitar um sem número de contratempos. Com o passar do tempo, todavia, passou a se sentir deprimido. Parou de se supreender, por mais incrível que fosse o que iria acontecer. E pôde finalmente perceber que a graça da vida é não saber. Ele tava sempre preparado, nada mais o deixava assustado. E ele queria voltar a não saber, porque o imprevisto maltrata, mas sua falta mata.
Transtornado, voltou a procurar o feiticeiro, tinha em mente devolver o produto (embora tivesse perdido a nota fiscal) e pedir seu dinheiro de volta. Quando chegou lá, todavia, o tal feiticeiro já havia se mandado para outra cidade. Se deu conta, enfim, que aquele feiticeiro era um golpista forasteiro.

14/06/2010

A Cartomante

Todo dia olho para frente, tento achar a direção,
mas tão logo me distraio, pego o violão
e começo alegremente a fazer o meu refrão.
A canção da minha vida, a canção da minha canção.

Eu viajo, pego ônibus, carona, bicicleta, vou até de trem.
Não me importo com os vizinhos, sempre quero ir mais longe, quero ir além.
Pedi para minha amiga cartomante me dizer se mais alguma coisa me iria acontecer, ela disse: "Meu amigo, calma nessa hora. Quem já sabe o fim do filme, logo vai embora"

Não pode ver fronteiras, nem ter medo de arranhão,
Quem da vida só deseja conhecer o coração.
Já vi ordem sem progresso, ordenado insucesso.
Melhor é viver a vida sem rima, ritmo e verso.


05/06/2010

O que há de comum entre Chaplin, Smith e minha vida...

Li um post interessante sobre o filme Tempos Modernos no blog Literatura e Diálogos da minha amiga Patrícia Castro e resolvi escrever sobre o assunto também.

O clássico Tempos Modernos de Charles Chaplin é um convite irresistível ao sorriso. O fato de ser uma comédia, todavia, não diminui a importância da mensagem que o filme transmite. Trata-se de uma análise sociológica, e Chaplin percebe os efeitos alienantes que decorrem da superespecialização que o capitalismo submete às classes mais baixas.
Adam Smith falou sobre os problemas advindos da alienação do trabalhador. Smith temia pela incapacidade desse trabalhador de pensar os problemas políticos da comunidade em que está inserido. A alienação teria como efeito incapacitar o ser humano de exercer plenamente sua cidadania. Essa desconfiança de Smith contrasta com a visão tradicional que atribui a esse pensador uma crença irrestrita na capacidade do mercado de se autorregular. Diz Smith, quando “toda a atenção de uma pessoa se concentra no décimo sétimo componente de um alfinete ou no oitavo componente de um botão (...) o trabalhador é incapaz (...) de compreender (...) a vinculação do interesse da sociedade ao seu próprio. Sua condição não lhe deixa tempo para receber a necessária informação, e sua educação e hábitos costumam ser tais que o tornam inapto para discernir, mesmo que esteja plenamente informado.” Com essa preocupação, Smith argumentará que o governo deve atuar na construção de escolas públicas, de forma que não é um defensor inquestionável do Laissez Faire. Identificando falhas do mercado que precisam ser consertadas pelo governo.




Quando o personagem do filme sai da fábrica e continua repetindo o mesmo movimento que vinha fazendo o dia todo na fábrica, Chaplin quer demonstrar que o ritmo do capitalismo está interiorizado na mente dos homens; não é apenas a forma de trabalhar que requer a eficiência de Ford, mas todas as ações humanas tornam-se um cálculo quase “fabril” de tempos e movimentos.
Somos produto de nosso tempo, e a logística de nossa vida é um eterno cálculo de maximização. Vejamos algumas evidências empíricas da proposição:
1)                          Hoje fui ao bebedouro e aproveitei para alongar a perna enquanto bebia água, para não perder tempo parado “apenas” bebendo água.
2)                          Quando entro na garagem de meu prédio, passo de carro pelo elevador antes de estacionar. Toda vez eu paro, estico o braço para fora do carro e chamo o elevador, para que este desça enquanto eu estaciono.
Sempre que temos a possibilidade de ganho de eficiência, por exemplo, fazer duas coisas ao mesmo tempo, sentimos grande prazer... Mas o limite entre o bom aproveitamento do tempo e ser uma pessoa “stressada” é tênue. Muitas vezes aceleramos demais certos compromissos e depois nos vemos entediados sem ter o que fazer.
Viver é uma arte, não um cálculo.

Hóspedes