22/03/2010

Cabelos brancos

Fios de cabelos brancos
não encerrem a plenitude
de meus vinte poucos anos.

Todo dia no espelho
está marcado nosso encontro,
está presente em meu cabelo
e também em meu queixo, e me queixo:

Como pode a barba mal feita,
que nem cresce em toda parte,
ter então cabelos brancos?
ser então começo e fim?

Nessa pergunta volto a mim,
e me percebo por inteiro.
Sou, da vida, a metade
que não tem explicação.

A outra metade deixo
para os cientistas sem espelho.
Passam a vida estudando,
nas mesinhas debruçando,
sem, contudo, perceber
o clarear de seus anos.

19/03/2010

O dia que a guerra parou

Pela primeira vez, o clima em todo o planeta seria mesmo. Não mais haveria a neve em contraposição ao sol, nem o deserto de uns, nem a floresta dos outros. Os mais variados climas e vegetações, que diferenciam os países e dentro deles, dariam lugar a uma homogênea e generalizada sensação de pânico.
No princípio parecia apenas uma brincadeira de pessoas desocupadas e engenhosas, mas o tom crescente das ameaças, vindo de todos os lados e em todas as línguas, fazia nascer uma interrogação do México ao Japão. Vídeos brotavam na internet, a transmissão do programa favorito na televisão era subitamente interrompida, estava nos outdoors, em canções na rádio, nos teatros, e, principalmente, na boca do povo.
As ameaças atingiram os quatro cantos da terra, até mesmo ilhas minúsculas que viviam ainda isoladas do suposto homem desenvolvido. Tão isoladas que não tinham até então um meio de se comunicar com o resto do mundo, isso é, praticavam um dialeto ainda desconhecido. Pesquisadores ligados à área da linguística foram enviados aos destinos mais remotos a fim de aprender estes dialetos, não pela potencial ajuda bélica dos arcos e flechas desses povoados, inúteis frente à nova ameaça, mas sim para descobrir se estes locais tão remotos também receberam sinais. A confirmação ratificou o que já era do senso comum àquela altura.
A movimentação de luzes fora do comum no céu anunciava o pior. Era verdade, os ETs invadiriam a terra.
Muito embora a questão da faixa de gaza ainda não estivesse decidida naquele ano de 2.100, ela passaria a ser um problema irrisório, isso porque se judeus e palestinos não se acertassem naquele momento seriam esmagados. E a questão da faixa de gaza passaria a ser disputada por marcianos, que diziam ser ali a terra prometida por Marcianés, e os jupterianos. Foi esse o primeiro encontro improvável na terra (união no oriente médio, quem diria?), e a questão da faixa de gaza tornou-se irrelevante diante da ameaça maior, dos ETs, que prometiam começar sua ação pela terra prometida.
Como os Estados Unidos nem a Europa foram ameaçados a princípio, não deram crédito. E mesmo o início das ofensivas dos ETs a destruir o Oriente Médio não criou grandes sobressaltos nos comandos militares dos países mais desenvolvidos.
Quando o primeiro disparo de laser atingiu a peruca branca do presidente americano, na casa de mesma cor, ficou cristalino que era realmente uma ameaça global, agora sim poderíamos ter certeza. Os ataques dos ETs eram tão coordenados que os humanos logo perceberam que a única forma de combatê-los seria a união de todo o planeta. O intercâmbio de tecnologia, informação, armas, técnicas de guerra, era a única forma de o mundo reagir, e assim o foi. Diante de forças nunca antes vistas, o planeta abriu mão de suas desavenças, os recursos foram todos colocados numa mesma conta e distribuídos por todo planeta em hospitais, reconstrução civil, escolas etc. Fazia mister uma língua única para os soldados das diversas nações que lutavam lado a lado nas frentes contra o mal. O mundo todo passou a falar o Esperanto. Língua da paz, destituída de qualquer identificação cultural, nacionalista. O que fez os homens perceberem que, no fundo, não são tão diferentes quanto imaginaram. E, todos juntos, puderam os homens expulsar os alienígenas.
Durante algum tempo o mundo viveu uma paz desconhecida até então. Estavam todos no esforço de reconstrução do planeta, que havia se transformado em grande campo de guerra.
A ideia que predominava agora era a distribuição justa dos recursos naturais e intelectuais. O homem passou a acreditar, pela primeira vez, que quanto mais equilibrada fosse a distribuição dos recursos, melhor seria a chance de os homens conseguirem combater outra invasão alienígena caso viesse a se repetir. Assim, durante alguns anos o mundo foi inteiramente reconstruído de forma equitativa, e o conhecimento deixou de ser propriedade, passou a ser desejável que qualquer técnica e conhecimento novos fossem espalhados a todos.
Com o passar dos anos, todavia, e a ausência de outras ameaças extraterrestres, os homens começaram a ficar impacientes: e se eles nunca mais viessem? E essa especulação, pouco a pouco, tornou-se uma realidade palpável. Os ETs pareciam coisa do passado, não haveriam de voltar. E com a convicção de que não mais seriam incomodados por presenças estrangeiras, os humanos puderam voltar a guerrear entre si em paz...

13/03/2010

Mais um dia

Outro belo dia a raiar,
mas que diferença isso faz?
Tivesse chovido,
flores não nascido,
permaneceria
jaz.

Passei a manhã a te escutar,
mas não digo:
pare por favor !!!
tivesse falado
sobre o meu talento,
deveria
acreditar ???

11/03/2010

Ave de uma só pena.

Voa a ave de uma só pena:
Não saber onde é seu lar.
Amanhã pode ser feliz, mas quanto isso vai durar?

Vai na asa do avião, pois não tem tempo a perder.
Meio mundo já examinou,
 mas nunca pensa em desistir.

Porque não foi assim que seu pai lhe ensinou:
“Enquanto houver o que esperar vale a pena seguir”.
E seguiu a missão que o seu lhe confiou.
Nunca soube por que deveria insistir.

Decidiu jogar tudo pro ar, o ensinamento não profetizou
Amanhã não terá amanhã.
Resolveu suicidar.

Vai sem asa pro avião,
para não poder se arrepender,
e a esperança morria ao tirar os pés do chão.

Mas aí, ao cair, começou a tremer.
E não foi de pavor, foi tremenda emoção
de cair sem parar com suas asas
que se pudesse desatar, teria motivos para recomeçar. 

10/03/2010

O curioso caso de Tio Toco

De repente eu vi a luz, não sei bem o que aconteceu. 
Foi assim... ao abrir os meus olhos, pelos quais não podia ver, 
a imagem embaralhada, só vultos avistava.
Parecia muito mais um filme antes visto na TV, 
só que a imagem não desenrolava, parecia retroceder.
O sol nascia a oeste e eu parecia me livrar da peste que antes me matou,
 não sei porque mas aqui estou.
Foi aí que alguém falou para mim,  não sei de onde veio mas dizia assim:
"Essa é outra chance para você, vê se dessa vez faz valer. 
Você não foi feliz, mas não foi por não merecer. 
Então tem outra chance de viver."
Essa estória termina para outra começar, que com certeza errado não vai dar.
Essa estória termina assim, no momento em que nasci.

Gu gu dá dá.

09/03/2010

Máscaras

Alguém me diz que não está a vestir
roupas que não te servem.
Que as cores a estação não determinou.
Que não é ilusão. Que não é frustração.
Que não é artista de cinema.
Só que a peça é sua vida.
O diretor não é você.
O roteirista tem mais de mil anos.
A audiência são todos.
Prontos para julgar.
E a propaganda não vende.

08/03/2010

Super Herói

Sem vertigem, mas sem subir.
Falando alto a sussurrar.
Assim todos somos super heróis.
Tem que fazer. Não adianta falar.

Sem fome, mas almoçou.
Falando magro a engordar.
Assim todos somos os campeões.
Tem que fazer. Não adianta falar.

03/03/2010

Crônica Patética

Hoje descubro que esse mundo, que por uma vida tentei compreender, está além de nosso alcance, pois mundo não é, mundos são. Tantos quanto são as vidas dos homens e mulheres que andam pra lá e pra cá, sem aspiração, até que encontrem um ao outro, e se deem por satisfeitos.
Pois o mundo, no fundo, é o conjunto das pessoas; dos casais e suas estórias. Das avós e avôs, e suas memórias. Dos filhos e filhas, e fantasias. Cada macaco no seu galho. Isso quer dizer, cada pessoa está encaixada em uma família, que, por sua vez, cabe a alguma camada social, com costumes, tradições, enfim, com alguma coerência.
Penso na mulher que apanha do marido, e busca consolo na Maria da Penha, que pena.
Mas isso é tão distante da minha realidade, minha crítica não tem contundência, não tem conteúdo, porque esse não é o meu mundo.
Meu mundo é essa escrivaninha, com livros, um laptop, cd's.
Ler Drummond e Pessoa, escutando Jobim, é o mundo que me encanta, mas é só meu mundinho.
Enquanto isso, nas ruas, a vida continua . E, lá fora, as balas continuam perdidas.
Prefiro a ciência de Science: "há fronteiras nos jardins da razão".

Hóspedes